21 de fevereiro de 2015

compreendo os dias de cinza



Compreendo finalmente os dias de cinza.
Compreendo com outro sentir,
de fora, como embaixadora
numa terra deserta.
A missão de explorar o mundo e compreender
os modos dos outros.
Lamento os dias da cinza.
Lamento o quebrar dos ramos e o fogo devastador,
a impossibilidade de criar uma floresta a partir da secura.
Nem uma pequena árvore sequer, despida, com 3 folhas.

in "o tigre e outras marés"

19 de fevereiro de 2015

avé maria


avé maria cheia de graça
o senhor está contigo
bendita és entre as mulheres
bendito é o filho do teu ventre
pois foste a escolhida

maria, mãe de todos
intercede por nós
errantes, sem senhor,
sem bençãos e sem filhos

com as tuas mãos cura
a dor do mundo
agora e para sempre
ámen

in "o tigre e  outras marés"

17 de fevereiro de 2015

rios de mim


SebastianWagner
Tenho tantos rios para dar
e nenhum deserto espera por mim
para florir.
Apenas vazio e rochas agrestes
que não querem a minha água.
Onde irei desembocar os meus rios?
As nascentes borbulham de impaciência
contidas até ao esmagamento
na espera, até agora inútil,
de um vale que me contenha.

in “o tigre e outras marés”

13 de fevereiro de 2015

águas



Esta tristeza de ti não sai de mim
Como largo esta perda?
Perda de mim, das fantásticas hipóteses do que poderia ter sido.
Perda de ti, apesar de nem te ter.
Água escorre por dentro do corpo
Sai pelos pés, de tão cansada.

in “o tigre e outras marés”

suave calmo

Suave suave és
Calmo calmo te sinto
E tudo o resto
É apenas minha invenção

in "memórias do fogo"

12 de fevereiro de 2015

riscas






a sombra manchada de luz
a luz enfeitada de sombra

in “o tigre e outras marés”

11 de fevereiro de 2015

o tigre ferido



o tigre está ferido
também ele
confunde esta dor com amor

o meu tigre ronrona
deitado nos lençóis verdes do prado

in “o tigre e outras marés”

10 de fevereiro de 2015

não me acompanha



o tigre voltou ao fundo da selva
escondido na caverna por mais mil anos
ou apenas umas horas
voltou às sombras

este meu tigre não me acompanha
fulvo, furtivo apenas me toma de assalto
estraçalha e abandona
no chão um resto destroçado de mim
sem vida em vida
em inegável e permanente dor

in “o tigre e outras marés”



9 de fevereiro de 2015

o tigre espreita



o tigre espreita
emboscado
riscas em sombra e luz

persegue-me por eras

sinto o seu bafo nos flancos
sem entender
de onde vem este mal

num súbito relâmpago
sombra e luz ataca
salta esmaga-me o ar
garras rasgam
ossos em farpa, esfacelada
coração latejando sangue
o alívio final não vem
ali fico em dor lancinante
até à eternidade

o meu tigre e eu presos
neste ritual infinito
a que estamos obrigados
por motivos desconhecidos

in “o tigre e outras marés”

8 de fevereiro de 2015

espadas

syrius


esta dor
espadas que cortam
abrem-me de  cima a baixo
expondo o que?
apenas dor?
será que o coração de dor
das igrejas é possível?
alma dorida
será que vai terminar um dia?
não conheço outros sinónimos para esta dor
nada se compara, não há mais palavras
apenas dor.

in “o tigre e outras marés”