18 de fevereiro de 2016

o que há em mim é sobretudo cansaço


O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

15 de fevereiro de 2016

nada


nada
vazio

absolutamente nada




até o vazio entre galáxias está pleno de ligações





in "caminho das pedras"

13 de fevereiro de 2016

verde esmeralda



Vento vagabundo
Rumores de folhas e águas correntes,
aroma de chuva e terra
Raízes profundas
entrelaçadas em mim
atentas, pulsantes.
Verde esmeralda,
húmido, suave e quente
Que me leva.

in "caminhos do vento"

10 de fevereiro de 2016

vem sentar-te comigo

d'aprés kenglye


vem sentar-te comigo, querido
à beira rio
sentir
a água passar debaixo dos pés
o calor do sol nos tornozelos
vem sentar-te comigo, querido
a ver os peixes preguiçarem.
sons de sapos e ovelhas
o dia que não termina e, contudo, se move.

in “caminhos do vento”

9 de fevereiro de 2016

sossego

o sossego não me larga
esta paz nos pés
larga na cintura
balouçar na rede da tarde
a brisa morna no cabelo
leves ondulações na pele
quieta, deixo o tempo
que não passa, nem fica

mão em mão

in “caminhos do vento”

8 de fevereiro de 2016

lua nova



Quando a lua nova chega
Posso enfim descansar
Largar as agruras das outras luas
Deitar-me no prado dos teus olhos
E dormir no ninho de penas suaves
Que construíste para mim

in "caminhos do vento"

5 de fevereiro de 2016

perigo

o que és?
esta paz nas ancas,
no ar do peito.
o que me fazes?
sei do perigo e não
o sinto,
só quietude.

in “caminhos do vento”