14 de novembro de 2018

wild geese

Não tens de ser bom
Não tens de percorrer de joelhos
Cem milhas do deserto, arrependido.
Só tens de deixar que o animal meigo do teu corpo ame o que ama.
Fala-me do desespero, do teu, e eu falo-te do meu.
Entretanto, o mundo continua.
Entretanto, o sol e os seixos límpidos da chuva
Movem-se pelas paisagens,
Pelas pradarias e pelas árvores profundas,
Pelas montanhas e pelos rios.
Entretanto, os gansos selvagens, bem alto no céu tão azul, regressam novamente a casa.
Sejas quem fores, por mais que só estejas,
O mundo oferece-se à tua imaginação,
Chama-te como aos gansos selvagens, agreste e excitante -
Anunciando, uma e outra vez, o teu lugar
Na família das coisas.

Mary Oliver - “Wild Geese”

12 de novembro de 2018

não pode ser só isto

Mas não pode ser só isto
O Verão partiu
E nunca devia ter vindo.
Será quente o sol
Mas não pode ser só isto.
Tudo veio para partir,
Nas minhas mãos tudo caiu,
Corola de cinco pétalas,
Mas não pode ser só isto.
Nenhum mal se perdeu,
Nenhum bem foi em vão,
À luz clara tudo arde
Mas não pode ser só isto.
Agarra-me a vida
Sob a sua asa intacto,
Sempre a sorte do meu lado,
Mas não pode ser só isto.
Nem uma folha se consumiu
Nem uma vara quebrada...
Vidro límpido é o dia,
Mas não pode ser só isto.


Arseni Tarkovsky (trad. Paulo da Costa Domingos)