6 de maio de 2011

compulsão



toda esta produção compulsiva de palavras,
as mesmas palavras de que não gosto,
são o único modo de expressar estes pensamentos circulares.
tenho de os registar obrigatoriamente.
há tanto de mim já perdido
não suporto que mais estes pedaços caiam no esquecimento.
lembrar-me de mim, como fui,
o que acontece,
para que não me pareça que sou apenas uma fantasia
de alguém que já me esqueceu.

in “o tigre e outras marés”

5 de maio de 2011

belas palavras vazias



Não está em mim o dom de entrelaçar palavras em harmoniosos hinos
de louvor a qualquer coisa realmente maravilhosa.
Palavras bonitas, belas frases recheadas de vazio,
aparentemente suaves e dedicadas,
escondem a crueldade agressiva da condescendência
disfarçada a intenção enganadora de dominar.

Cada vez mais, prefiro belos actos a belas palavras,
embora uns e outros sejam passíveis de engano.
Mas é mais possível continuar na infinita produção
de belas palavras do que de belos actos.

Fazer é mais difícil do que dizer e quem muito fala belas palavras
vive da preguiça do pensamento alheio e da falta de esforço próprio
na autenticidade de fazer coincidir as palavras com os actos
e o que verdadeiramente é sentido.

in “o tigre e outras marés”